sexta-feira, 14 de agosto de 2015

A previsão de fatos, contextos e ideias irracionais

     É interessante como a noção de zeitgeist, ou seja, como a ideia do “espírito ou atmosfera de um período específico da história” (AURÉLIO, 1991) pode ser aplicada ao indivíduo para construir a noção de uma espécie de “zeitgeist” pessoal, que permearia um certo período de tempo da vida deste. Os chineses tinham (não sei se ainda têm) o conceito de uma espécie de “qualidade do momento”, em que o conjunto de objetos, pessoas, animais e circunstâncias de um fato, em sua totalidade, integram esse acontecimento, e também o comportam, como ocorre com o fragmento de um holograma, com o qual se pode obter uma imagem da totalidade que o integrava. Essa “qualidade do momento” corresponderia, ao nível individual, a esse “zeitgeist” ou “espírito de um período” pessoal de vida. 
     Carl G. Jung criou o termo “sincronicidade” para designar um princípio de conexão de significados, que não leva em conta a lei de causa e efeito, isto é, a causalidade. É um termo mais científico para o que o senso comum chama de “coincidência”, ou seja, a correspondência entre um acontecimento exterior e um conteúdo psíquico. Um exemplo seria a correlação entre um sonho que prevê um acidente com riqueza impressionante de detalhes (conteúdo psíquico) que acaba ocorrendo realmente logo depois (ocorrência externa). A duplicidade de eventos, designação familiar à época de Jung, nomeia fatos de sentido semelhante, que parecem comportar um mesmo pano de fundo. Certos fatos que Jung exemplifica em seu livro “Sincronicidade” nos faz pensar até em “multiplicidade” de eventos, tal a soma de fatos ligados por um mesmo sentido, sem que houvesse a possibilidade de haver uma ligação causal entre eles.

Essa citação de Jung pode ser a base para a confirmação da descrição da personalidade via Astrologia.
No entanto, essa constatação já não abrange os horóscopos.
     O que me fez escrever este texto foi um fato ocorrido comigo nesta semana. Decidi fazer um empréstimo para aquisição de um produto, mas fui frustrado, num primeiro momento, devido à necessidade de se aguardar o prazo de quatro dias após o pagamento da última parcela do empréstimo anterior. Ocorreram-me ideias de que algo não ia bem. Que ocorreriam outros obstáculos até que eu conseguisse efetivar o empréstimo, se eu realmente o fizesse.
     Após os quatro dias de carência, voltei à associação e consegui meu intento, que seria depositado no dia seguinte em conta poupança particular ligada a essa associação. A atendente perguntou se minha conta ainda estava ativa, ao que confirmei, tendo em vista que havia sacado de empréstimo anterior há três meses. E de novo ocorreram-me fantasias de que obstáculos desconhecidos ainda ocorreriam. E qual não foi minha surpresa ao não conseguir efetuar o saque, pois minha conta estava registrada como encerrada no sistema contábil, embora constasse o valor depositado, estivesse ativa no sistema do caixa, e tivesse um histórico de movimentação do período de encerramento até a presente data. “Uma inconsistência enorme do sistema!”, na palavra do atendente do banco. Se ele estava atordoado com o comportamento do sistema bancário, eu me encontrava literalmente assombrado. Conservei minha calma, enquanto criavam uma nova conta poupança para, assim, tentarem transferir o crédito da conta “encerrada” para a nova. Há poucos instantes antes das 17:00 h a transferência não tinha sido conseguida. Logo depois desse horário, tentando correr contra o tempo, constataram que a efetivação da transferência só ocorreria no dia seguinte, assim como a transferência de dinheiro para o banco da minha conta-corrente (TED), cujo prazo se encerrara às 17:00 h. Minha conta-corrente completaria dois dias com saldo negativo, pois teria que voltar no dia seguinte, concretizando minhas sombrias fantasias com o que posso chamar de "a duplicação do primeiro evento": a volta posterior para concretizar o que ansiava.
     É claro que tudo isso é uma vivência pessoal, e não denota uma comprovação “científica”, nos moldes atuais, da sincronicidade, uma vez que a ciência opera oficialmente apenas com as funções sensação, com a qual observa, mede e experimenta os fenômenos, e pensamento, usada para raciocinar, prever, descrever e acumular conhecimentos. As outras duas funções, que completariam sua percepção total dos mesmos fenômenos, foram descartadas desde os primórdios da ciência positivista: o sentimento, que pode fornecer o valor dos acontecimentos e uma atitude ética, que leve em conta a ecologia e o relacionamento, aos cientistas; e a intuição, com a qual muitas descobertas foram feitas por meio de insights, sonhos e visões, mas que envolve a imaginação de possibilidades a se desdobrar no futuro ou delineadas no passado. A intuição não se apega à realidade concreta, tão venerada pela ciência materialista, mas abre novos horizontes. Alguns cientistas chegaram a enaltecê-la, como Einstein: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”. Einstein era um grande cientista e revolucionou a ciência com sua intuição fantástica. Mas, de todo o campo científico, só parte da física e da psicologia é mais ou menos aberta à intuição...
     Outro dia havia discutido com alguém e estava com muita raiva. No caminho para o ônibus, surgiu-me a convicção de que eu presenciaria um acidente de carros com colisão. Era um pensamento completamente independente mas que se impôs em minha mente, e parecia ter forte conexão com meu estado de humor. Esse pensamento me pareceu ainda mais estranho porque eu nunca havia observado um acidente assim. Entretanto, após alguns minutos no ponto de ônibus, vi um carro colidir com a traseira de outro a uns dez metros de distância. O fato é que eu havia "colidido" com o ponto de vista da pessoa com a qual estivera em conflito, e isso de alguma forma se conectou com um evento que ocorreu logo depois. Agora imaginem se esse tipo de ocorrência acontece normalmente sem nos darmos conta... Infelizmente, nem todos estão abertos a fantasias e pensamentos irracionais como esses que me ocorreram. E por isso, acabam não "acreditando" na sincronicidade, embora não seja o caso de acreditar, mas de se constatar um fato com base na abertura a ideias aparentemente irracionais.
     Já notei que os computadores parecem ser especialmente sensíveis ao estado psíquico de seu operador. Talvez porque deixam mais explícitos, e de maneira mais rápida, os resultados de uma operação do que outros processos em geral. Se o usuário se encontra especialmente ansioso e um tanto irritado por algum resultado, provavelmente passará por bons percalços até conseguir fazer o que queria no sistema. Mas não desanime: se mantiver a calma enquanto procura se conscientizar dos fatores por trás de sua ansiedade, captando o seu “zeitgeist” momentâneo e aproveitando o momento, conseguirá lidar melhor com a situação como um todo. Boa viagem!


REFERÊNCIAS

JUNG, Carl Gustav. Sincronicidade. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1991a, v. VIII/3.

______. Prefácio de C. G. Jung. In WILHELM, Richard. I Ching: o livro das mutações. São Paulo: Pensamento, 1993.

______. Tipos psicológicos. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1991e.

VON FRANZ, Marie-Louise. Adivinhação e sincronicidade. São Paulo: Cultrix, 1992.

______. HILLMAN, James. A tipologia de Jung. São Paulo: Cultrix, 1990.

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