domingo, 1 de maio de 2016

A crise e o espírito do tempo no Brasil de hoje

A seca que abateu o Brasil em 2015 pode ser interpretada psicologicamente como uma
grande cisão da psique coletiva brasileira; a tensão estava no ar, até que, com as chuvas,
os processos políticos e de justiça fluíram novamente.
     A crise brasileira atual não é somente econômica e política, também inclui a saúde (vide os surtos das doenças do aedes aegypti e da gripe H1N1), e durante todo o ano passado (e não sei se este ano ainda estamos muito estáveis) foi também energética e hídrica. Também é uma crise moral, se pensarmos na corrupção como endêmica à população brasileira. São tantos aspectos negativos nesta fase atual, comparados a fases muito boas anteriores, como às do governo FHC e Lula, que podemos questionar o que haveria por trás de todos esses acontecimentos. Talvez uma breve análise e síntese de ideias possa dar um sentido geral a esses infortúnios.
     Já notei há muito tempo, na minha vida pessoal, o quanto os fatos de certo período da nossa vida parecem permeados por uma certa qualidade geral, um tema que atravessa todos os episódios em um determinado tempo. Em uma fase de um ano e meio, por exemplo, a vida de um amigo foi traspassada pelo tema "mudança", de maneira tanto prazerosa quanto dolorosa: nascimento de um filho, promoção no trabalho, mudança por duas vezes de domicílio e a morte de vários parentes seus e de sua esposa (vide o texto "Morte, sonho e sincronicidade"). Por esses dias recebi a notificação de multa de uma infração cometida há mais de três anos (como se sabe, as infrações não notificadas até trinta dias são arquivadas); no mesmo dia respondi a alguém que cobrava, no trabalho, a atualização de um sistema até certa data; dois dias depois chegou outra cobrança, tema dos eventos como um todo. Coincidências? Não acredito.
     É como se nossa vida fosse permeada por uma espécie de "campo de sentido" ou simbólico que possui uma característica específica em certo período de tempo. Jung aludiu a esse fenômeno como se o tempo possuísse uma qualidade em momentos definidos. Daí ocorrer a possibilidade de os oráculos funcionarem se nossas perguntas a eles estiverem baseadas em nossas preocupações e emoções, já que estas e o "campo simbólico" parecem estar estreitamente relacionados. A antiga filosofia chinesa chamava a esse campo de Tao.
     "O Sentido [Tao] se obscurece, quando fixamos o olhar apenas em pequenos segmentos da existência", cita Jung (1991, §913) de uma obra chinesa. "Para nós, os detalhes são importantes em si mesmos; para a mente oriental, os detalhes juntos é que formam sempre o quadro global", continua. Portanto, essa percepção da "qualidade" do momento advém da atenção ao todo, de forma geral, e não aos detalhes. É uma compreensão intuitiva da realidade.
A atenção ao tempo de médio e longo
prazo tornou possível sua divisão em
estações e anos, por exemplo. 
    Esses "campos simbólicos", em nossa vida pessoal, tendem a tornar a ocorrer, aparentemente, até que integremos o seu conteúdo em nossas vidas. No âmbito nacional, o sentido dessa crise também tende a acontecer com a incorporação, à consciência coletiva, do que se encontra inconsciente e que está extraindo muitos recursos de nossa consciência social. A corrupção é uma espécie de "complexo" que precisa ser analisado coletivamente, o que já está ocorrendo, para que possamos, de uma vez por todas, percebê-lo, trazendo os recursos de volta às nossas mãos. É preciso que cada brasileiro conheça seu potencial para a corrupção, suas faltas cotidianas, e saiba dizer "não" às tentações, em benefício da coletividade, sabendo do prejuízo que essas perversões trazem a todos. 
     Essa perspectiva é abrangente e não foca a responsabilidade dos sujeitos, não lança luz sobre as responsabilidades individuais, mas permite um alcance do sentido maior desse caos que tomou conta do Brasil. Somos todos instrumentos dessa trama e drama que se impõe. A par desse sentido, podemos ter esperança de que futuramente alcançaremos um cume mais alto do que os escalados até agora. A vida é uma tensão entre polaridades opostas, entre ciclos de alegrias e tristezas, prosperidades e penúrias, passividade e atividade. Esse jogo tensional é tanto mais instável quanto mais frágil o suporte dos elementos integrantes.
     Infelizmente, esse complexo nacional inconsciente não pode, de uma só vez, ser integrado como um todo, já que isso é muito difícil. Provavelmente, apenas certos aspectos estão enfatizados neste momento, e outros o serão no futuro, em outro ciclo. Mas, com certeza, há um grande potencial por trás que poderá ser de proveito a todos. Entretanto, é preciso que as defesas contra a conscientização desse complexo - a estrutura legislativa que permite o aproveitamento dessa desmoralização - sejam também analisadas e desfeitas. E o que está sendo realizado para isso? Antes, é preciso que cada político se conheça um pouco mais, assim como nós mesmos, pois é o indivíduo que compõe o povo brasileiro.
Na superfície, uma estrutura aparentemente sólida; na realidade, ela é sustentada
 sobre o dorso de um grande complexo inconsciente, que pode naufragar toda a nação, se não integrado.

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